domingo, junho 29, 2008

BREVE ANÁLISE SOBRE A ESTÉTICA DO SONHO NO CINEMA POP, PARTE 1

Recentemente, li um texto de Glauber Rocha, Eztetika do Sonho. Achei muito bom e recomendo para toda a família. Originalmente, parte de um trabalho para a faculdade, a análise abaixo relaciona aspectos do pensamento do cineasta com o novo filme de Richard Kelly, diretor de Donnie Darko. Southland Tales - O Fim do Mundo está disponível nas locadoras para aqueles que desejavam conferir o recente trabalho (em termos, pois o filme é de 2006.) do criador do coelho gigante e anti-Harvey, Frank. Para ninguém falar que não foi avisado, o filme é uma bagunça, mas, ainda assim, fascinante. A meu ver, se ele tivesse filmado algumas cenas extras e eliminado alguns momentos, ficaria menos confuso e não tiraria o charme ou banalizaria as intricadas teorias que utiliza para justificar aquele mundo, tão próximo do nosso que pode-se até sentir seu hálito na nossa nuca...
A complexa trama de Southland Tales – O Fim do Mundo se passa numa realidade alternativa. Após um ataque nuclear ao Texas em 2004, os EUA, quatro anos depois, se transformam em uma nação militarizada, em que as liberdades civis são abolidas em nome da segurança nacional e a descoberta de uma nova fonte de energia alimenta o poderia econômico e bélico. Neste cenário caótico, surge um grupo revolucionário chamado os Neo-Marxistas. A história começa quando um astro de filmes de ação, Boxer Santoros (Dwayne Johnson), reaparece após um sumiço misterioso. Determinado a fazer um novo filme, pede ajuda ao policial Ronald Taverner (Seann William Scott). Aos poucos, é revelado que os dois personagens são elementos-chave em uma conspiração visando o domínio mundial.
Southland Tales aborda uma sociedade oprimida por um regime conservador, em que celebridades servem como termômetro para transformações sociais. Embora longe da figura dos intelectuais que poderiam guiar o proletariado em sua luta contra uma governo de conotações fascistas, os artistas do longa, ligados a Hollywood e à indústria pornográfica, são extremamente politizados e usam sua influência social para este propósito. Nesta realidade, o artista/intelectual é substituído pelo artista/celebridade. Sua opinião tem força na massa e eles se aproveitam disto. Além do Santaros, um ator ligado ao Partido Republicano, há o outro ator Pilot Abilene (Justin Timberlake), cuja carreira acabou após um incidente no Iraque, que usa seu prestígio para promover seus ideais políticos e a atriz pornô Krysta Now (Sarah Michelle Gellar) que, numa tentativa de se reinventar, estrela um reality show em que se propõe a discutir tópicos ligados à sociedade. As atrizes de filmes eróticos pertencem ao movimento neo-marxistas e têm o propósito claro de influenciar o voto nas eleições que se aproximam, como a dupla Dion (Wood Harris) e Dream (Amy Poehler), também da indústria pornográfica, que se sacrificam em nome da causa esquerdista. Através de reality shows, simulação de atos para mostrar a violência policial e chantagem a membros da elite conservadora, entre outros, lutam para retirar os atuais governantes do poder.
Durante o filme, Pilot Abilene lê trechos do Apocalipse. Abilene acredita que o mundo, como conhecemos, está chegando ao fim e vê o ambiente caótico como o último estágio antes de uma nova realidade assumir. Em seu texto, Glauber Rocha afirma que
Este misticismo é a única linguagem que transcende ao esquema racional de opressão. A revolução é uma mágica porque é o imprevisto dentro da razão dominadora. No máximo é vista como uma possibilidade compreensível. Mas a revolução deve ser uma possibilidade compreensão para a razão dominadora de tal forma que ela mesma se negue e se devore diante de sua impossibilidade de compreender.[1]
No filme, a nova realidade assume longe dos olhos de todos. O regime atual, regido por um poder direitista, é destronado quando através de cenas cujo visual demonstra a mudança do sistema: a ascensão de um carro de sorvetes aos céus, em que Taverner descobre seu destino (servindo como metáfora para o cavalo branco em que um anjo anuncia a segunda vinda do Messias), a alteração de um fenômeno climático nos céus, que retrocede, e a explosão de um dirigível em que todos os representantes do poder/ sistema estão presentes. Através destas três seqüências, o diretor estabelece visualmente a renovação no mundo da trama.
É interessante notar também que novo Messias, Taverner, é um personagem que circula livremente entre os dois mundos, o oficial e o revolucionário. Taverner, como executor da lei, faz parte de um sistema cujos métodos contesta. Ele é como o animal de duas cabeças: uma submissa e fatalista ao que o explora e outra que não consegue explicar o absurdo de sua situação. Esta questão das duas cabeças é ressaltada pelo fato de que o personagem parte em busca de seu irmão gêmeo que, no final, se revela ser ele mesmo em outro momento do tempo, outra dimensão. Ao contrário dos outros personagens, que circulam com uma agenda política, o policial procura o perdão. Devido a um erro seu, desfigurou a face de Abilene e não consegue viver em paz. Quando Abilene o perdoa e ele perdoa a si mesmo (literalmente, neste caso), Taverner encontra a paz, se funde com seu outro eu e pode assumir sua condição de líder justo em um novo mundo. A revolução, como possessão do homem que lança sua vida rumo a uma idéia, é o mais alto astral do misticismo. As revoluções fracassam quando esta possessão não é total, quando o homem rebelde não se libera completamente da razão repressiva...Taverner, por sua vez, é o elemento que o sistema deseja destruir, mas é ignorado porque Santaros é confundido com o Messias. Citando o texto,
A razão dominadora classifica o misticismo de irracionalista e o reprime à bala. Para ela tudo o que é irracional deve ser destruído, seja a mística religiosa, seja a mística política.
Outro dado interessante é o paralelo entre o Apocalipse e a Eztetyka do Sonho. Glauber fala sobre uma nova realidade, em que uma revolução seria efetiva, o que é justamente do que se trata o texto bíblico, que consiste nos fatos que precedem o retorno de Cristo, o revolucionário.
Uma obra de arte revolucionária deveria não só atuar de modo imediatamente político, como também promover a especulação filosófica, criando uma estética do eterno movimento humano rumo à sua integração cósmica.
Southland Tales abrange uma variedade de tópicos, que vão desde o religioso e política (americana) atual, à filosofia (existencialista e marxismo, mesmo que este último seja mais utilizado para mostrar a interpretação errônea de seus seguidores), à cultura de massa, que transforma ídolos das massas em porta-vozes de assuntos sociais complexos, flertando com física e ambientalismo para reforçar seu ponto de que o mundo, devido a gama de interesses pessoais e assuntos em pauta, está perdendo em meio a um volume de informação tamanho que torna-se difícil processá-la e em que a revolução só será possível daquele elemento menos comprometido com o sistema, seja dentro ou agindo de modo complementar.

[1] ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Editora Cosac Naify, São Paulo, 2004

RESENHA AMBROSIA 1

Agora, uma resenha publicada na página Ambrosia (http://www.ambrosia.com.br/) do filme Homem de Ferro. Espero que gostem (da resenha e do filme, esclareço).

SÓLIDO COMO FERRO

Homem de Ferro estreou no Brasil no dia 1 de maio e foi para o topo da bilheteria tanto nos EUA quanto aqui, Brasil. Estrelada por Robert Downey Jr., em seu primeiro papel de destaque após inúmeras confusões, o filme tem todos os ingredientes de uma superprodução: elenco lotado de estrelas, uma fonte prestigiada (neste caso, os quadrinhos), ótimos efeitos especiais e sonoros, ação e trilha feita para vender CDs, mostrando que todo o grande orçamento foi usado na tela. E é tudo de bom que se espera de um produto de entretenimento.
Assim como no primeiro Homem – Aranha, é uma história de origem e leva seu tempo para apresentar personagens e o desenvolvimento do herói até seu primeiro teste ou aventura. E, como neste filme, a mesma sensação de magia e diversão está presente. O diretor Jon Favreau e sua equipe se puseram a criar um filme que fosse igualmente interessante para os fãs quanto não – iniciados. Para os primeiros, além do respeito às características dos personagens e suas relações, há diversas citações à mitologia de origem do Homem de Ferro que não descreverei para não estragar a surpresa de ninguém. Para os que não conhecem a saga de Tony Stark, o homem por trás da armadura, há uma trama coesa e inteligentemente sutil, em que a dramaturgia e as inevitáveis explosões e lutas convivem de maneira harmoniosa e coerente. Além disso, é recheada de situações divertidas e ótimos diálogos. Favreau conseguiu a façanha de manter o equilíbrio essencial para o gênero, de não desprezar os fãs e não alienar o restante da platéia.
Há outros méritos, além do roteiro sóbrio, como o elenco. A maioria das críticas foi unânime em elogiar a performance de Downey Jr. e com razão. O ator interpreta Tony Stark como um playboy egoísta e inconseqüente, mas de bom coração e que, por isso, “constrói” sua redenção como herói. Stark é um empresário showman que, ao ver o alcance negativo de seus atos, decide lutar contra o monstro que criou, tanto como executivo como seu alter – ego dourado e vermelho. Vale notar que o humor sacana que Downey Jr. colocou em Stark, além de soar natural no ator, funciona muito bem para seduzir a platéia. Tony Stark não é um galã (apesar de seu sucesso com as mulheres), nem um tipo antipático que cria uma consciência. Ele é o amigo fanfarrão e meio fora da realidade que todo mundo gostaria de ter.
Embora com menos destaque, já o protagonista e seu intérprete dominam o filme tanto dentro quanto fora, os coadjuvantes cumprem de maneira excelente suas funções. Eles são os normais, os discretos e as vozes que tentam trazer Stark à razão e, principalmente, à maturidade. Por isso, Gwyneth Paltrow, Terrence Howard e Shaun Toub, entre outros, acertam no tom abaixo do protagonista e marcam a trama com a sobriedade necessária às exuberâncias do protagonista. Já Jeff Bridges, como o vilão, faz uma construção interessante, começando contido, como uma ameaça velada e, à medida que a trama avança, torna – se maníaco, embora sem os excessos que muitas vezes encontramos em filmes de super – heróis. De certa maneira, a interpretação de Bridges para o personagem remete a de Ian McKellen no primeiro X – Men: respeitoso, calmo, mas ameaçador, assumindo sua real natureza na apoteose final. Aliás, como nota de rodapé, Bridges está muito engraçado como Monge de Ferro, mas mantendo a convicção de força mortífera.
Os aspectos técnicos estão no tom do filme, tornando convincente o universo de Tony Stark e a proposta de apresentar uma boa diversão escapista e que não subestima a inteligência da platéia com exageros pirotécnicos. A música foi muito bem seleciona e remete tanto ao espírito do filme e do protagonista quanto ao Homem de Ferro de em si.
Para inaugurar a temporada de superproduções de aventura, Homem de Ferro honra o compromisso e deixa o público ansioso pela seqüência.

CLUBE DA LEITURA 8

Para não concorrer comigo mesmo, decidi postar contos que não entraram na página do Clube da leitura (www.baratosdaribeiro.com.br/clubedaleitura , passem e comentem!) e publicar inéditos no blogue. Como este.
FREAKSHOW
Agora, escuta essa.
O homem, deprimido, dirigia em uma longa avenida. Ele achava que sua vida era como a rua, uma trajetória sem fim e obstáculos para frente. No entanto, quando menos esperava, foi vítima de um golpe. Nada restava naquele momento do que se recuperar e torcer para que não fosse tarde demais para conquistar algumas doses de glória. O homem pensou que se o seu carro estava na quarta marcha, sua vida parecia ter ficado presa em primeira. A música estava alta e ele procurava por algo novo. Qualquer uma, que libertasse da rotina agridoce em que se encontrava. As luzes alaranjadas dos altos postes, que cortavam seu semblante a cada 2 segundos, aumentavam a melancolia e faziam da busca, inadiável.
Ele, finalmente, pára e encosta.
- Oi.
- Oi, amor. Tá a fim de um amor gostoso?
- Eu não sei... pode ser...
- Completinha é 100.
- Entra aí...
- Você me parece familiar...
O homem tremeu neste momento. Para não ter que voltar à realidade da mente, começou a dizer que ia levá – la para um motel que conhecia, muito discreto, e que poderia pagar mais se gostasse do serviço. A passageira, finalmente, acalmou e improvisou uma tabela de preços. O homem, crédulo, ouvia com atenção.
Eles chegam ao motel. Param, pagam, pegam a chave, param de novo, saem e andam até o quarto.
É uma suíte de luxo, com banheira para quatro, sauna, poltronas, frigobar e espelhos por todas as paredes. Na cômoda, botões que ativavam desde o sistema de refrigeração à TV. A passageira sintoniza numa estação e inicia uma desajeitada dança sensual. O homem se senta e assiste, ligeiramente boquiaberto, fascinado com aquela estranha criatura.
- Você já se sentiu como se não pertencesse?
- Hum... fala não, bofe. Vem dançar, vem...
- Não. Eu prefiro ver. Mas, não sei, você já se sentiu como se as pessoas te rejeitassem, por mais que você... tenha tentado se inserir, tenha sido legal com todo mundo...
- Querido, escuta a música... Não te deixa com tesão?
- Por mais que você tenha tentado, eles ainda te olham como se você fosse um estranho, uma criatura do outro mundo...
- Mais do que imagina... Ai...
- Você é chutado do mundo deles... Não, porque você tenha feito algo errado. Não... Você fez tudo certo. O problema é, você não pertence. O acesso é exclusivo e você não tem pedigree. Você é uma aberração...
- Você quer conversar ou quer sexo?
- Tira a roupa.
Ela tira tudo de uma vez. Seu corpo é marcado por cicatrizes e cortes. Os seios são pequenos e caídos, como se tivessem sido colados ao tórax pelo lado de fora. As mãos e pés, grandes. O rosto, que não escuridão, disfarçava, ganhou feições mais masculinizadas. Entre as pernas, um grande pênis.
- Quer fazer amor, gatinho?
O homem tira a roupa. Seu corpo, apesar de musculoso, é pequeno, quase delicado. Os pêlos faciais são grosseiramente falsos. O peito é liso e rente. Seus olhos apertados e as bochechas, ligeiramente rosadas. Ele tira a última peça de roupa, a cueca, e revela uma vagina.
- Não. Quero que você me coma, aberração.