quinta-feira, maio 08, 2008

CLUBE DA LEITURA 7

O ANIMAL BABANTE

Creuza Sueli deu um longo suspiro enquanto subia no elevador. Os números passavam vagarosamente, mas ainda rápido demais para ela. Ela fechou os olhos e forçou o pensamento para o churrasco de domingo à tarde. O Flamengo venceu e seu marido promoveu uma festança por conta. Cerveja, carvão e, claro, a carne, tudo comprado com antecipação e preparado, só esperando para o que time fizesse sua parte. Tocou forró e funk até à madrugada. A carne estava deliciosa e a cerveja gelada. Parecia réveillon na praia de Copacabana. Creuza Sueli se concentrava em todos os momentos felizes para animar o espírito e poder, desta forma, encarar o seu Gouveia.
Seu Gouveia era um senhor de 110 anos, mas com espírito de Matusalém com prisão de ventre. No entanto, pelo o que dizem, o sujeito já era um filho da puta desde jovem. Foi o primeiro morador do prédio e último representante da primeira geração de condôminos. Era como aquela antiguidade que você recebe de presente, mas é feia pra caramba e não combina com nada na sala, então é deixada em seu canto para não incomodar a vista. Seu Gouveia, ao contrário do objeto, estava muito vivo e fazia questão de mostrar sua presença das maneiras mais desagradáveis possíveis. Quando encontrava os porteiros vendo o jogo na TV de 5 polegadas que um deles trazia, dizia algo como “Vão trabalhar! Isso aqui não é o barraco de vocês!” Quando as crianças corriam na entrada, comentava alto: “Esses pivetes deviam apanhar com cinto e ajoelhar no milho para aprender o que é respeito!” Seu Gouveia, de longe, não era a pessoa mais amada do prédio ou de qualquer lugar onde ele estivesse.
Há alguns meses, seu Gouveia caiu no banheiro e quebrou a perna. Como nem seus filhos conseguiam acumular suficiente força de vontade para encará – lo, contrataram uma enfermeira para fazer o serviço sujo. Duas mulheres depois, entrou Creuza Sueli. Era sua segunda semana no trabalho e todo dia ela rezava duas Nossas Senhoras, uma antes de sair de casa e outra quando chegava. A primeira era para que ela não matasse o velho e a segunda, agradecendo por sobrevivido ao dia e resistido às tentações.
O elevador parou e ela saiu. Andou pelo corredor lentamente, sentindo – se levemente tonta. Abriu a porta e entrou. Assim que fechou, ouviu aquela voz rouca de cigarro.
- Está atrasada de novo, sua puta! Eu estou morrendo aqui e você fica se oferecendo no meio da rua para marginal! Crioula é tudo igual mesmo! Só serve para isso!
“Não mata o velho, não mata o velho, não mata o velho! Você precisa do dinheiro pra pagar o quarto na casinha em Búzios para as férias! É só mais esta semana e você consegue! Você e Clayton juntos na praia, com os amigos pro feriadão. Você consegue, teu santo é forte!”
- Cadê você? Tá roubando minhas coisas? Deixa de bunda mole e me levanta pra mijar!
“Não mata o velho! Cadeia. Não vale a pena!”
Creuza Sueli, após criar coragem, chega no quarto do homem.
- Bom dia, Seu Gouveia.
- Bom dia é a puta que pariu!
- Vejo que continua espirituoso como sempre...
- Espírito? Você quer que eu morra ou tá fazendo macumba no seu terreiro contra mim? Pode fazer! Eu agüento todas as bocas de sapo fechadas do mundo!
“Infelizmente...”
Enquanto ela o ajudava em sua higiene, mais palavras gentis seguiram. E assim foi o dia, como todos os outros.
Finalmente, o último dia! Creuza Sueli estava em estado de graça. Não veria mais aquela praga preconceituosa e babante e teria o dinheiro pro quarto no feriadão. A única diferença era que ele estava mais calmo. Continuava insultando – a e gritando horrores como sempre, mas sem o fervor de antes e mais calado.
- Seu Gouveia, semana que vem, uma nova menina vem aqui e vai cuidar do senhor. Se cuida.
“Uma palavra de consideração não dói.” – pensou.
- Vá à merda! – ele respondeu.
Ela saiu, sentindo – se muito bem consigo mesma. Tinha conseguido o que queria e aturado um dos seres humanos mais desprezíveis que encontrou. Era uma santa.
Seu Gouveia, sozinho, deitado na cama, não conseguia dormir. Encarava o teto e pensava: “Lá se foi mais um amor da minha vida...”

sábado, maio 03, 2008

CANÇÃO PARA O AMOR QUE ESTÁ POR AÍ

Não é texto meu, mas a letra diz tudo que espero da minha cara metade, onde quer que esteja. Cedo ou tarde, eu vou te encontrar. Eu sei. Não tenho pressa…

WILD THING

(riff)

Wild Thing!
You make my heart sing.
You make everything... groovy!...
Wild Thing.

Wild Thing,
I... think I love you.
But I wanna know for sure...
So, come on, and... hold me tight...
I love you...

Wild Thing!
You make my heart sing!
You make everything... groovy!...
Wild Thing!
Wild Thing,
I... think you move me...
But I wanna know for sure!
So, C'mon, and... hold me tight.
You move me...

(Ápice.)

Wild Thing!
You make my heart sing!
You make everything... groovy!
Wild Thing!
C'mon, C'mon, Wild Thing!
Shake it, shake it, Wild Thing!

...

Obs.: Não sei se a versão original é do The Animals, The Troggs, Jimi Hendrix ou mesmo da Grace Jones. Se alguém souber a resposta, por favor, revele, pois estou curioso.

Obs.2: Minha versão favorita é do The Animals. Sempre The Animals. Dei uma adaptada para lembrar mais o ritmo da música. Tem que escutar, cara. Tem que escutar...

sexta-feira, maio 02, 2008

TEXTO DE UM APRENDIZ

O AMOR NOS FAZ DE ANIMAIS

Este texto surgiu de um telefonema não atendido e de palavras que nunca consegui dizer como deveria. Ele aparece em neste formato, porque sempre me expressei melhor assim, do que deixando que meus reais sentimentos, e não os efêmeros e imediatos, viessem a meus lábios e saíssem de minha boca. Se é meloso, assumo a culpa. É o que sinto e, às vezes, é melhor desabafar do que buscar incessantemente a elegância e sutileza literárias.
Nada faz superar um amor do que um novo. É o que dizem. Sinceramente, ainda não sei. Amei de verdade uma única pessoa na minha vida e ela ainda é muito especial para mim. No bom e no mal sentido.
Eu desejo para ela o melhor de tudo. Quero que ela encontre uma pessoa maravilhosa e se case. Tenha filhos. Um bom apartamento e situação financeira. Quero a vida dela seja completa e, em seu leito de morte, ela se vá com um sorriso, porque foi bonita como um nascer do sol em uma praia paradisíaca. Ela merece, assim como eu e qualquer pessoa que tenha o coração no lugar certo. É a mais pura verdade.
Por que, então, toda a vez que a vejo, perco a razão e ajo feito uma besta? Será por que não arrumei uma nova pessoa para ocupar o espaço que vagou em meu espírito? Será por que ela já encontrou outra? Será possessão? Será devido a não a aceitar a inevitabilidade do destino, que mais uma vez me prova que seu curso seguirá, mesmo sem mim a bordo? Será tudo isso ou outra coisa?
Ela não me ama mais. É um fato. Ainda se importa comigo, se preocupa, quer meu bem. Este é outro. O desejo é recíproco, conforme afirmei acima. Apesar das boas intenções, faço questão de cultivar seu ódio a mim. Toda a vez que vejo, é como se enfiassem uma adaga em meu coração. Será que eu quero que ela se sinta tão mal quanto eu? Será uma maneira doente de nos conceder liberdade da influência desequilibrada que ainda possuímos sobre nossas vidas? Será auto – punição da minha parte? Quando haverá paz? O tempo dirá? Com certeza.
O amor é uma faca de dois gumes, cujo sintoma é loucura. Quando o casal está junto e feliz, a esperança floresce. A felicidade torna o banal algo insignificante. Quando se separa, carência e inconformidade reinam, envenenando nossas almas. Fazemos perguntas que não têm respostas lógicas. Nos culpamos por não conseguir controlar o que está além de nosso alcance. De qualquer forma, é viver em realidades alternativas. Em ambas, não sabemos qual é o rumo e seguimos de acordo com o sentimento do agora. Somos loucos. Perdemos nossa capacidade de raciocínio. Somos animais, guiados pelo instinto primordial da sobrevivência.
Não pedirei mais compreensão ou desculpas. Abusei do primeiro e, falo por mim, sei que ela está cansada de escutá – las. Errar é humano, mas repetir é estupidez. Quanto a ela, precisa entender que, a cada escolha, um sacrifício é feito. O que nós dois temos que nos dar conta é que, para se ter uma nova vida, abandonamos o passado. Seja por vontade própria ou não, este se torna um ponto de referência para melhorarmos nosso futuro.
Tudo muda. Pode ser que volte diferente, mas, quase sempre, quando ocorre, é gradual. É uma das transições mais dolorosas para uma alma jovem. O fim de um amor é uma morte, mas não irremediável. Nós continuamos, apesar. É nossa chance de sermos felizes de novo, o que nos faz humanos. Devemos abraçar esta possibilidade com unhas e dentes. É uma das poucas chances que temos de derrotar o que surge como inevitável.
Talvez o que nos torne animais é que amor e ódio são extremos – irmãos. Abel e Caim. Como evitar que a tragédia se repita é nosso grande desafio e dever. Todo dia é um teste de paciência e humildade e, por isso, uma benção. Porque nos dá a oportunidade de sermos melhores. Mas como é difícil... Complexo... Queremos o bem, mas nem sempre agimos de acordo.
Diz a música que todos nós, em algum momento, aprendemos. É quando a lição é assimilada que não somos mais seres irracionais. Somos carne e osso e sofremos, sim. Viver é também uma experiência de dor. Ainda mais quando estamos descobrindo o que isso significa e suas implicações. Se deixar levar, é cavar sua cova mais cedo. Jogar sua negatividade para o outro, no entanto, é infeliz. E, como acima, não adianta fazer algo ruim e depois se arrepender. Você tem que viver aquilo que prega. Ser um hipócrita é ser um bicho domesticado.
Entre idas e voltas, me perdi. A gente se perde e, quando tudo dá certo, se acha. Se perde, se acha, se perde, se acha, a roda gira. Como diz Walmor Chagas na abertura do ótimo São Paulo S. A.: Recomeçar. Recomeçar de novo. Recomeçar mil vezes... Isso é o amor e isso é ser humano. Reconhecer é o primeiro passo. O mais importante, no entanto, é o segundo: recomeçar.

quinta-feira, maio 01, 2008

CLUBE DA LEITURA 6

O SINAL

Peço, da maneira mais humilde que consigo, perdão, Senhor. Eu não fui digno de presentear Vosso filho. Sou apenas um homem e nada além disso. Obtive a graça de ver o sinal dourado na madrugada penetrante. Quantos homens, mulheres e crianças não são abençoados, às vezes, e de que não tomamos conhecimento? A vida, em si, não seria a maior graça e a morte a forma de ver se fomos merecedores desta?
Durante minha fase na Terra, fui rei. Como uma pessoa honrada, fiz aquilo que achei certo para o benefício de todos ao meu redor e o próprio. Com sorte, acertei quase tanto quanto errei. Não quero soar pretensioso, Senhor. Apenas é como analiso meu tempo neste momento em que ele se esgota, como os últimos trechos de água de um rio no período de seca. Tudo é breve e imprevisível. Só podemos esperar que tenhamos feito o certo, o bem por si mesmo. Nem sempre fui assim e, daquela época, sinceramente me arrependo.
Apesar de meu desejo de me adereçar diretamente a Vós, sinto – me impossibilitado de fazê – lo apropriadamente. Nada nos prepara para o futuro, especialmente quando este surge na forma de perda. Enquanto tento prestar minhas contas, não consigo ser humilde o suficiente para controlar meus sentimentos de raiva, tristeza e medo. Muito medo. Como uma criatura selvagem encurralada por seu predador, mantenho uma defesa feroz da minha vida, na inútil esperança de que tudo tenha sido um engano.
Por favor, me dê mais um dia! Conceda – me alguns minutos para resolver minhas pendências! Sou incapaz de fazer a transição com serenidade sem pedir perdão às pessoas que amei e magooei! Queria poder remendar todos os atos que cometi no calor do momento, sem enxergar as sutilezas do grande tecido que é o destino.
Caso Vosso plano para mim já esteja fechado, peço, novamente, humildemente, que mostre àqueles que decepcionei um sinal de que lhes peço desculpas e que também os perdôo por terem me ofendido, se assim acham. Um sorriso da pessoa amada, um abraço de verdade de alguém com que eles realmente se importam, um presente inesperada ou uma benção discreta, como a brisa que bate na nuca num dia quente de verão... Este é o último desejo de um moribundo.
Não faço este pedido para Tenhais misericórdia em meu julgamento. Minha intenção sincera é outra. Como não posso e não pude mudar o mundo, gostaria de, ao menos, proporcionar um pequeno momento de felicidade para todos que afetaram minha vida. Que os que a alegraram, sejam recompensados por seu carinho para comigo. Que os que me entristeceram, recebam este gesto como o sinal de que há uma forma melhor de viver, não egoísta e aberta. Eu sei disso, porque eu era assim até o momento em que vi a estrela cortar o pano preto da minha alma. Foi quando percebi que poderia ser feliz... Foi rápido e transformou por completo o curso de minha vida. Foi quando testemunhei o parto de um novo mundo. As coisas mudam, enquanto esperamos por sinais...