domingo, novembro 14, 2004

"PELECARNESANGUEOSSOS" E O CONSTRAGIMENTO DE NATHÁLIA

Ontem, apesar de todo o material acumulado da faculdade me gritar o contrário, resolvi ir ao teatro. A peça era "Pelecarnesangueossos" e termina hoje. Isso aumenta minhas certezas de que só assisto peça em fim de temporada, mas tudo bem. Fui acompanhado por minha amiga Nathália. Ela, como eu, é uma dramaturga iniciante que leva porrada de seus textos constatemente. Fomos no Teatro Café Pequeno, a versão "Mini- me" do Canecão ( exatamente como o Canecão, mas com 1/8 do tamanho. ). Após essa breve apresentação, vamos ao que interessa, a crítica. E, leitores com apetite de destruição e/ ou leitores de Barbara Heliodora, acho que vão ficar satisfeitos. Vou começar com o que mais marcou: o cara que faz Gabriel é PÉSSIMO!!!! Isso é especialmente ruim, pois o personagem dele é grande vilão, o causador de toda a tragédia da peça. Mesmo levando em conta que o papel não teve o espaço necessário para se desenvolver, não há nada que redima o ator. Ele está tão ruim no papel, que, ao invés de raiva do ator, senti pena dele. Essa foi a única coisa que consegui sentir dele. O cara não sabia se movimentar em cena, não tinha qualquer linguagem corporal e nem gritar direito conseguia. Dizer que ele estava no piloto automático seria um elogio. O cara, no máximo, estourando, decorou as falas e mandou o "foda- se!"Formando com honras da Escola de Teatro Cigano Igor. E, antes que digam que estou sendo cruel com o sujeito, respondo que ele foi muito cruel, não só comigo, como com toda a platéia que pagou para assistí- lo. A única parte boa dessa situação foi ver o constragimento da Nathália, que é amiga do moleque. Assim que terminou a peça, ela disse: "Vamos embora agora!", com medo de encontrar a criatura e ter de dar sua opinião. Ver a cara dela de "Puta- que- pariu" foi muito engraçado. Acho que não sou um cara tão legal. O resto do elenco estava bem, especialmente as mulheres. A menina que faz a vítima era linda e atuava muito bem. Segundo Nathália, ajudou o fato de que ela passa quase toda a peça deitada e sem ação, mas, nos poucos momentos em que mostra serviço, o faz de forma muito competente. A mãe tem atuação boa. Em terceiro lugar, fica o médico, interpretado satisfatoriamente.
O grande problema no texto é o desenvolvimento da trama e de seus personagens. Na ânsia de fazer uma denúncia, o autor simplesmente jogou cenas de impacto, sem maior preocupação em buscar o que estaria por debaixo de tudo, que elementos teriam sido os verdadeiros causadores da tragédia. Se , por um lado, deixa a platéia tensa durante todo o espetáculo, o que acho ser um dos objetivos do texto, por outro tudo acaba soando gratuito. Um monte de boas idéias, jogadas ao esmo. É como um quebra- cabeças, em que as peças insignificantes faltam, impedindo que o quadro se complete. Alvim até tenta trazer momentos de reflexão, quando os personagens falam sobre escolhas, mas, com exceção da cena inicial, tudo é muito rápido e não funciona. Isso tem efeitos, conseqüentemente, na construção dos peronagens. Fica evidente nos personagens do médico e sua esposa. A esposa, praticamente, não tem função nenhuma. Para mim, se ela não estivesse lá, não teria feito muito diferença. O médico é o personagem mais preocupante. Como Nathália disse, ele é o Hamlet da história: "Ser ou não ser?", "Honrar o juramento ou cuidar de meus interesses?". O médico, que deveria ser o personagem principal, não tem o tempo necessário para se desenvolver e acaba tendo o mesmo tempo ( insatisfatório ) que os outros, que deveriam ser os coadjuvantes. Ele carrega o dilema, ele que tomará a decisão de vida ou morte. A platéia, ao invés de entrar no drama dele, apenas visualiza o conflito. O desempenho do ator, que empresta alguma simpatia ao personagem, ajuda na troca limitada que ocorre. Bem, agora que esculhambei, que tal os pontos positivos? Afinal, eu gostei da peça. Logo, deve ter algo de bom. O texto é bom, por exemplo. Antes que me acusem de ser contraditório, me adianto: o texto da peça é bom, mesmo com os defeitos graves que apontei acima. O que quis dizer com a falta de desenvolvimento notável é que o tema tinha um potencial muito forte. Poderia ter sido uma peça do caralho, foda, algo para escandalizar geral. Do jeito que ficou, é apenas boa. A iluminação é muito boa. As luzes se alternam harminiosamente. Há um momento lindo, em que as duas atrizes ficam de perfil, em frente a uma luz vermelha. O efeito ficou foda. Outra grande sacada é no final, quando a família janta com o cadáver da vítima na mesa. Foi outra grande sacada. Para terminar, acho que posso dizer que esse é o melhor texto de Roberto Alvim. O bom é que ele é superior a sua peça anterior, cheia de intenções, mas que não acertava nenhum alvo. Se continuar progredindo, logo Alvim vai escrever algo realmente foda, que funcione tanto dentro quanto fora do terreno das idéias do autor.

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O que é o amor puro e o amor egoísta?