sábado, novembro 06, 2004

A SETE PALMOS, O REI DO PEDAÇO

Esse texto pode ser definido como "Homer Simpson votou em Bush, parte 2". Com "A sete palmos, o rei do pedaço", pretendo efetuar o mesmo que as seqüências de filme costumam fazer com o original: explicar todas as perguntas que permaneceram. No caso, falava sobre como desenhos como "Os Simpsons" e "South Park", através do exagero, mostravam o perfil da maioria dos eleitores que presentearam George W. Bush com mais quatro anos na Casa Branca. Assumindo de vez minhas pretensões antropológicas, podemos perceber que essa eleição já tinha dono se analisarmos que tipo de seriados os americanos assistem. Acho que posso dizer que séries de TV nos EUA têm a mesma importãncia que nossas novelas aqui. Sâo uma das principais atrações de suas emissoras. Têm um público cativo, que determina a sobrevivência do programa. Se tiver excelente aceitação, ou se for exibido no horário nobre, o espaço para anunciar um produto pode custar milhares de dólares. Foi o que ocorreu nos últimos capítulos de "Friends", por exemplo. Pode transformar atores em estrelas e milionários. Também são exportadas para diversos países. São um produto tão lucrativo que tanto as redes de TV aberto quanto as por assinatura têm seriados. Os mais populares acabam sendo, inclusive, associados à rede que os exibe. Ou seja, não é tão diferente das novelas, não é? Séries de TV aberta geralmente seguem uma fórmula testada e aprovada, sejam dramas ou comédias. Apesar de nos últimos tempos terem apresentado inovações, costumam não ousar, por temer que algo mais agressivo afaste o público. Seu único propósito é distrar sua audiência, correndo feito o diabo da cruz de qualquer reflexão ou algo que desagrade. Séries de redes de TV à cabo, apesar de ter a mesma preocupação mercadológica, não seguem essa rígida cartilha. Têm a liberdade para serem artisticamente mais ousadas. Os temas são mais adultos, têm tratamento de cinema e ousam em sexo, violência e linguagem. São muito liberais. Isso deve justamente ao fato de que o público que paga TV por assinatura, em sua maioria, pertencer à classes financeiramente privilegiadas. A elite. Ou seja, temos, essencialmente, dois tipos de seriados nos EUA, que podem ser ligados a duas classes socias. Nessas eleições, tínhamos dois candidatos que representavam, cada um, os dois tipos básicos de americanos: os pobres e conservadores que defenderam Bush e os ricos e/ ou esclarecidos liberais que apoiaram Kerry. A escolha dos verbos "defender" e "apoiar" não foi à toa. Mas vamos dar uma olhada nos programas assistidos pela população americana. No lado das classe trabalhadora, temos dramas leves, enlatados policiais e sitcoms. Vamos pegar as sitcoms, especificamente o "According to Jim" e "O rei do pedaço" ( é um desenho, mas serve para o ponto que defendo. ) . Tanto a seriado com atores de carne e osso quanto o de tinta fala sobre famílias de classe popular e sua rotina atrapalhada. Jim, o americano médio, é um sujeito cabeça fechada, conservador e, apesar de constantemente fazer merda, sempre dá um jeito de dar a volta por cima. Entre alguns de seus inimigos, estão vizinhos chatos e liberais que se acham melhor do que ele. Hank, protagonista animado, é a mesma coisa. São programas populares, que promovem a anti- catarse que Adorno tanto chiava. Ao invés de satirizar a ignorância do povo americanos, passa a mão na cabeça deles. Justifica seus erros, torna- os dóceis e faz questão de formentar estereótipos, contribuindo para um apartheid social mental. "According to Jim" e "O rei do pedaço" têm com protagonistas não arquétipos, mas o chefe de família classe média- baixa. E sua mensagem é: você está certo, sua mentalidade fechada é correta e liberais são pagãos que merecem o desprezo. O público que aumentou a temporada de Bush como presidente. Agora, passemos a Kerry. Seus votos vieram, em maior parte, de americanos jovens, grupos excluídos e das elites, principalmente a intelectual. Que tipo de programa eles assistem ( ou assumem que assistem )? Séries artísticas, críticas, que são feitas para balançar o público de seu marasmo. Bons exemplos são duas séries da HBO muito populares: "Sex and the city" e "A sete palmos ( six feet under )". Enquanto a primeira inivou ao colocar mulheres de 30 anos falando abertamente sobre sexo e relacionamentos, a segunda trata de temas cabeludos como depressão, morte, homossexualismo, culpa e drogas, com enfoque realista. Seus personagens são pessoas comuns, mas incrivelmente atormentadas. O toque peculiar fica por conta da ação se passar numa funerária, o que é o pretexto para mostrar ao espectador cenas como a preparação de um cadáver. Para ver como as coisas são engraçadas, a grande polêmica que gira ao redor da série não são as cenas grotescas, mas os temas espinhosos. O puritanismo ataca até os intelectuais, que se chocam com a violência nos relacionamentos e não a gráfica. Mas isso foi um comentário à parte. O que quero dizer é o seguinte: assim como os intelectuais liberais consideram "According to Jim", o seriado do homem de classe média- baixa, transmitido por rede aberta, como diversão barata, a população pobre e conservadora americana, que não tem TV a cabo e admite violência, mas não sexo, jamais veria "A sete palmos". O puritanismo americano pode ser sentido em todos os lugares, mas em alguns mais do que outros. Bush falou para aqueles que abraçam o puritanismo sem medo de assumir. Aqueles que assistem enlatados distrativos e que não ousam, que reafirmam que sua mentalidade fechada e ligada à tradições antigas é o correto. Kerry falou para os críticos, os que refletem sobre as ações de seu país e de seu presidente e que desejam mudanças. Aqueles que assistem programas de temática ousada e de apelo segmentado. Por isso, George W. Bush é o rei do pedaço e a candidatura de John Kerry está a sete palmos.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Oi, é a Laís!

Gostei do Blog e não concordo totalmente com essa analogia tipo de votantes e programas de TV. Acho que não é tão simples assim... Mas, como diz a sabedoria popular, 'todo ponto de vista é a vista de um ponto`...
Até logo!

3:11 PM  

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