domingo, abril 13, 2008

CLUBE DA LEITURA 5

O PESADELO DE OPPENHEIMER

Se a radiação de mil sóis queimassem ao mesmo tempo no céu, isso seria como o esplendor do Senhor. Agora, eu me torno a Morte, o destruidor de mundos

Citação de J. Robert Oppenheimer a Bhagavad Gita

nota do autor

Segundo o site Wikipedia, J. Robert Oppenheimer foi um físico americano e professor da University of California. Ele também ficou como conhecido como o “pai da bomba atomica” por ter sido diretor do Projeto Manhattan. Foi neste programa do governo americano durante a Segunda Guerra Mundial as primeiras bombas atômicas foram desenvolvidas. Com o sucesso, foi promovido a chefe da recém – criada Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos. No entanto, em 1954, devido a opiniões “subversivas”, Oppenheimer teve seu passe de segurança revogado e saiu da vida pública. No mesmo ano, foi publicado o ensaio As portas da percepção, escrito pelo inglês Aldous Huxley. Nele, a autor discorre sobre suas experiências com mescalina. Huxley usou drogas até o fim de sua vida e escreveu diversos ensaios e livros de ficção sobre o tema, em que entorpecentes são utilizados tanto como instrumentos de libertação e auto – conhecimento quanto de controle e opressão.

antes

Enquanto enfrentava a depressão, Oppenheimer leu os trabalhos de Huxley. Normalmente, ele ficaria escutando compositores clássicos, mas sua capacidade de concentração parecia levada por ventanias fortes. Tentou leitura, para se acalmar. Nada funcionou, até se deparar com as pesquisas daquele escritor. Em sua educação, que o levou a enxergar o mundo de uma forma técnica e funcional, a idéia de outros planos, sem controle ou padrões, era inverossímil. Tanto na política quanto física, todos os efeitos são conseqüências das ações iniciais de objetos. No entanto, as circunstâncias atuais eram absurdas. As reações se tornaram muito mais violentas e inesperadas, além da capacidade dos cálculos. As possibilidades se espalhavam em cadeia, destruindo tudo a seu redor. Logo, a noção de que há outros elementos além da explicação da física quântica não parecia mais tão ridícula. O próximo passo seria encontrar Huxley.
Marcar uma reunião foi fácil. Seria no apartamento dele, onde poderia ver seu novo trabalho, que muito o intrigava. O que mais um homem poderia tirar de uma ciência que se propunha sem limites? Quais seriam as variantes de algo que propõe a além do infinito? Desde que se assumira como a Morte, o destruidor de mundos, a enorme nuvem em formato de cogumelo tomara não só as duas cidades, como corações e mentes pelo globo. Como Frankenstein, encarava uma criatura que fugira a seu controle.
- Você deve ser o Dr. J. – ele disse, sorrindo.
- Professor Oppenheimer. – respondeu.
- Entre. Sinta – se à vontade. É uma pena que não possa conhecer minha mulher. Ela está doente.
- Qual é o problema?
- Câncer.
- Meus pêsames.
- É triste por um lado, mas uma benção por outro. Ela poderá testemunhar todo um universo que nem os indutores mais exóticos ainda podem nos trazer.
- Trazer?
- À mente, Dr. Oppenheimer. A mente. A maior porta de todas, que esconde um salão infindável, com saletas dentro à exponencial n.
- Me desculpe, Sr. Huxley, mas, pelo o que sei, a morte não traz qualquer benefício. Só cadáveres.
- Como pode saber?
- Eu sei pelo o mesmo motivo que todos nós. Após a morte, a vida encontra o seu fim e o corpo começa o processo de decomposição.
- Não acredita em alma? Ou em algo que rege o corpo e as ações do indivíduo?
- Não há prova científica da alma humana. Quanto às ações, são respostas das ações do indivíduo, por mais estranhas que pareçam.
- É... Soube que revogaram seu passe de segurança. É impressionante! Qualquer tentativa de mostrar um novo lado de uma questão é sempre visto com desconfiança e ódio. O novo não interessa ao sistema humano. Qualquer coisa que ameace sua natureza cíclica deve ser exterminada, com a força de mil sóis. Citação apropriada, aliás, para a ocasião.
- Muito obrigado, Sr. Huxley. Pessoalmente, acho que a frase de Gita teve sua conotação deturpada. Eu apenas tentei dizer que o teste foi bem – sucedido, a bomba funcionou... Sem querer tomar mais o seu tempo, devo dizer o que traz aqui hoje. Eu li sobre suas experiências com um alucinógeno chamado mescalina.
- Ah, sei. Um colega meu mencionou uma droga muito interessante que estou considerando experimentar. Aparentemente, intensifica os efeitos da mescalina... Aliás, sou um grande admirador de seu trabalho.
- Obrigado. Admito que estou surpreso. Apesar de minhas opiniões, sempre fui visto como um fator – chave para o estabelecimento da política atual, apesar de minhas tentativas para...
- Um dos benefícios da bomba atômica foi mostrar ao público que o homem é capaz de realizações dignas de descrições bíblicas. O que vocês, do Projeto Manhattan, fizeram foi mais do que uma arma de destruição em massa, mas um objeto de criação. Medo e violência são elementos essenciais para o nascimento e sobrevivência de todas as criaturas e, por que não dizer, mundos. Todo ato de criação é também um ato de destruição, não concorda?
- Nós fizemos o que nos mandaram.
- Nunca se perguntou por quê?
- Era uma maneira de proteger a nação.
- Então, vocês eram apenas soldados, é isso?
- Me desculpe, Sr. Huxley, mas não vim até aqui para discutir sobre política mais uma vez. Vim aqui devido à curiosidade, não mais.
Huxley mostra dois pacotes.
- Branco ou preto?
- Branco.

durante

Uma hora se passa e começa seu sonho branco e pesadelo cinza. Uma voz, sussurra “... e pesadelo cinza...” e “Venha e veja..”. Oppenheimer encarava um vaso de flores que estava em frente à poltrona onde se sentara. Dentro do vaso, três flores, margaridas. Seus caules ficaram eretos e juntaram, dando às margaridas um aspecto semelhante a um dente- de- leão. As pétalas derreteram e se extenderam, como borracha, até as bordas do vaso e se liquifez, tornando – se uma perfeita e instável bolha d’ água. A bolha treme. O chão e tudo ao seu redor também. O terremoto balança seu crânio. Oppenheimer sente – se dentro de um liquidificador. Ele se sente enjoado. Cai no chão, vomita e a bolha explode. Seu coração dói e não consegue respirar.
Quando abre os olhos, ele vê uma fumaça densa, com cheiro nauseante e a qual queima sua pele. Ele não consegue parar se coçar. A nuvem se espalha lentamente, desrespeitando a passagem do tempo, pois transforma cada frações de segundo em um minuto. Ele não consegue abrir os olhos. Olha para baixo e um vê um grande cogumelo cinza, com uma pequena serpente enrolado ao redor da base. Ele pega o cogumelo e o come, junto com a serpente. Ele escuta o sibilar da cobra dentro dele. Ele tenta ignorar, mas o som aumenta. Ele grita.
Abre de novo os olhos. Tudo está branco, como em uma nevasca densa. Não há som, não há temperatura, nem cheiros. Só uma cor. Oppenheimer começa a enxergar uma forma que surge de dentro do branco. É um cavalo, com alguém montado nele. E ficou claro que era o Anjo da Morte. Aquele que parece um homem, andando por aí, anotando nomes, mas que decide quem libertar e quem condenar. O cavaleiro se dirige a ele. Os cabelos do seu braço se levantam, a cada gole, a cada trote e a cada golpe. Oppenheimer não consegue fugir, pois não começou ou fim nesta dimensão. Finalmente, o Anjo da Morte o alcança e eles se encaram. Oppenheimer não sente mais medo. É ele.
Oppenheimer sente náuseas mais uma vez. O cavaleiro segue seu rumo e grita:
- E, após o grande sonho branco, tudo o que vai sobrar são cinzas e sombras. Eu sou um homem, sou mulher, sou um alienígena, sou o sexo e a carência, sou a música e as luzes, sou o eterno e o datado, a ciência e a superstição, sou o produto bruto de todos os tempos de tempo nenhum... Eu queimei mil sóis e sou o Senhor. Quem é você?
Quando ele ia responder a pergunta, vomitou de novo e viu a explosão com os próprios olhos...

depois

...a bomba funcionou.
... Fiquei sóbrio. O mal está feito. Eu me iludi. Não sou um soldado. Sou um bastardo e vou pagar por todas essas coisas que eu fiz...
Oppenheimer, finalmente, conseguira sentir as imagens que rondavam sua mente. Não apenas visualizar, mas viver, comprovar na própria pele a eficácia de seu experimento.
E se viu como a Morte e que o mundo era branco, após os céus se incendiarem.

2 Comments:

Blogger gabriel wainer said...

uau.

1:24 AM  
Blogger Unknown said...

Criativo, instigante, com um toque meio"noir", auto-reflexivo...Muito bom, dá vontade de ler outros textos do Daniel,que , aliás, sempre foi um dos "meus" escritores preferidos durante muitos anos de convivência...A Maturidade burilou não só a qualidade do texto como o interior do seu autor...

10:01 PM  

Postar um comentário

<< Home