sexta-feira, abril 04, 2008

CLUBE DA LEITURA 1

Esse é um texto que escrevi para o Clube da Leitura, um evento sobre o qual ainda darei mais detalhes.

BERNADETTE E O DESCONHECIDO

A chuva já havia passado. As ruas estavam molhadas, mas a maior parte da água já evaporara ou tinha descido para os esgotos. Ao seu redor, poças enormes refletiam as luzes dos postes acima, numa imagem espelhada imperfeita, contaminada por impurezas de todo tipo. Para ela, aquele quadro no chão, com manchas granuladas e inquieto em seu discreto movimento, era mais real.
Bernadette bebia sozinha. O funcionário do bar trazia a quarta garrafa. Após retirar a vazia da “camisinha”, pôs a nova de forma desajeitada e saiu, rapidamente. Ela olhou para trás e o viu voltar para trás do balcão. Serviu mais um copo e bebeu. Em seguida, encheu de novo, tomou um pouco da cerveja, colocou o copo na mesa, procurou um cigarro na bolsa e, depois, o isqueiro, acendeu, deu trago e ficou assistindo a nuvem densa de fumaça subir no ar e sumir, se fundindo com o ambiente.
Há pouco tempo atrás, conheceu um estranho. Foi ver um apartamento à venda e ficou presa quando o temporal começou. Algumas horas se passaram e eles conversaram. De início hesitante, o homem, desculpe, o rapaz, ficou muito eloqüente à medida em que o papo se tornou mais pessoal. É engraçado isso?... Certas pessoas parecem tão tímidas, mas, é só falar do que você faz com sua vida, e elas se transformam em guias de auto – ajuda... Normalmente, vamos dizer, se Bernadette encarasse esta situação em uma boate, ela iria dançar e deixaria o cara sozinho ou se calaria.
Hoje, foi diferente. Ela não estava bêbada, não havia outras pessoas e a única música era a que os vizinhos tocavam. Talking Heads, Tears for Fears, ... os hits de 1987. Uma overdose digna de uma festa dos anos 80, se estas se levassem só um pouquinho a sério... Também a situação de ficar presa num lugar estranho com um desconhecido era esquisita para ela. Talvez tenha sido a combinação dos fatores que a deixaram tão abalada.
Ela era tão pessimista? Não. Acreditava ser uma realista. Com pouco esforço, ela tentava e, às vezes, conseguia vender sua idéia de que; como o corretor tinha dito, “O mundo não é um moinho, é uma merda mesmo.” Ao redor do mundo, as pessoas fazem o que querem e, em geral, fazem tudo errado. Era como uma daquelas fileiras de dominó, postas na vertical e com cada peça atrás da outra. A diferença era que o lado que atingia o outro dominó tinha bosta nele. Assim, quando caiam, sujam o próximo até terminar. Bernadette via o mundo desta maneira e não tinha problemas com isso.
Gostava de ver sua vida como vinte e cinco anos de prazer absoluto... Não irresponsável, mas conscientemente inconseqüentes. Quem era ele para me julgar? Tinha um namorado bem – sucedido, trabalhava, apesar de não estar empregada... Estava perseguindo seus sonhos. Estava na idade disso. Mesmo que aquele corretor não estivesse em posição de julgá – la, ela ainda não parava de pensar. Que ele não entendia nada, era verdade. Que aquele discurso “de perto, tudo é lindo”, já era batido e que ela já ouvira em um milhão de outras ocasiões, também. Tudo se perdia após um bom porre. Bernadette achava que seria a mesma coisa agora. Mesmo assim, estava demorando. Afinal, depois de quatro garrafas de cerveja, já deveria estar pensando em coisas divertidas, alguma piada ou uma situação engraçada.
Bernadette tinha combinado de passar na casa do namorado, mas desmarcou. Não se achava em condições. Queria um tempo para poder ficar deprimida à vontade, sem pressões ou perguntas idiotas. Já tinha tido sua dose pelo dia. “Por que estou pensando feito uma idiota?”, se perguntou.
Tomou mais um trago e a cerveja tinha esquentado. Morna. Virou o copo e se serviu. De repente, escuta de um dos prédios “Once in a lifetime” do... Talking Heads! Sorriu.
- Caralho, não de novo, porra! – comentou baixinho.
- Caralho, não de novo, porra! – gritou, sem se importar.
“A cerveja já tá fazendo efeito.” – pensou, enquanto ria, sozinha. Os outros, tantos os presentes no bar quanto os eventuais transeuntes, deveriam estar pensando “A garota é louca.”, mas e daí? O barato do prazer é o seu barato, não o dos outros. Um sábio já disse: nunca julgue um livro pela sua capa!...
E ela ria. Iria pedir mais uma garrafa e voltar para casa. Ninguém é de ferro.