sexta-feira, abril 04, 2008

CLUBE DA LEITURA 2

TUDO É TRIVIAL

Ela acorda. Não há ninguém ao seu lado. Não importa. Ruim é trabalhar de ressaca. Queria tomar um café bom. Detestava o que fazia. Até hoje, ela tenta descobrir onde que erra a mão. A ordem do dia precisa ser seguida com o mínimo de intervenções. Dentes, banho, roupas, café, ônibus, cubículo, ônibus, banho, roupas, dentes. O segredo do bom café fica para depois. Hum, será que a porta ficou aberta?...
Ela o observa. Ele está dormindo. Estará sonhando? A festa, a transa, ... ou nada, como se fosse um computador em repouso. Há muito ela o via. Um homem simpático, gentil, excelente colega. Essas coisas acontecem. Amanhã, talvez as coisas estejam diferentes. Melhor se nada mudar. “O que em Vegas, fica em Vegas”, repetem os personagens do filme. Preciso dormir. Nem é tão bom assim. Mais algo para ficar no esquecimento.
Eles conversam sobre o Oscar. Ela não viu, porque tinha que trabalhar cedo. Ele assistiu à cerimônia inteira. Perguntou como foi. Razoável. Quase nenhuma surpresa; ficou em segundo lugar no bolão com os amigos. Não gosta de apostar. Prefere manter sua invencibilidade para si. Não liga muito para isso. É divertido? Deveria...
Foi bom. Poderia ter sido constrangedor. Estão contentes. Se tivesse sido ruim, o clima ficaria ruim. Ter sido pode ser um problema também... Sentem, mas não conseguem verbalizar. Mas eles sabem. Esta não será uma grande história de amor. Caso aconteça, ou não, serão apenas mais uma etapa na vida do outro. Procuram entender tudo literalmente. Ninguém se machuca quando não quer. Eu gosto dela. Eu gosto dele. Não há motivo. A vida segue, apesar de nós. Aceitamos o fato.
Eles transam, como se fosse a segunda vez de suas vidas. Não cometem os erros da primeira, nem se entusiasmam. Querem de forma sincera dar prazer um ao outro. São colegas. Para que arruinar uma relação tão boa por conta de algo tão insignificante. O prazer jamais é pequeno. Os que nos leva até ele, sim. Eles concordam e são delicados. É saudável.
Eles se olham. Riem, Meio sem graça, meio bêbados. Se beijam com precaução. Sorriem. Gostaram. Se beijam de novo. Da mesma forma, tiram as roupas. As dobram e colocam no sofá e na cadeira. Sóbrios, talvez tivessem certeza. Têm uma desculpa.
Ela escuta o som. Está cansada, mas permanece em pé. Ansiosa. Mantém a segurança. Há quanto tempo não tem uma visita. O que ele vai achar?... Não espera elogios, mas também não quer o contrário. É sempre bom passar uma boa impressão. É como os relacionamentos se mantêm. Ela tem a mesma atitude com sua baia no trabalho.
Ele urina. O banheiro é apertado, mas bonito. Ela aperta a descarga. Lava as mãos, o rosto... Se olha no espelho. O que aconteceu?... Estou vivo, com saúde... Tudo deu certo. O resto... é o resto.
Nunca havia estado no apartamento dela. É bem arrumado. Gosto disso. Cada coisa no seu lugar. Não tenho empregada, então, sempre arrumo quando volto da academia. Queria ter essa dedicação. Domingo é meu dia. Levo a tarde toda.
O táxi demorou, né? É, mas veio, pelo menos. É... É... A gente se vê amanhã... Amanhã... Tchau... Posso usar o banheiro?... Claro... Se calam até ela abrir a porta... E a primeira porta à direita, no corredor.
Não costumam ir a festas durante a semana. Como foram parar lá? Bom, uma coisa levou à outra e, quando nos demos conta, lá a gente estava. Não vão ficar muito tempo. Vão comer os salgadinhos, porque não jantaram nada. Talvez beber um pouco. A música é agradável. Há quanto tempo não escutavam “Supersticion” ou “Ballroom Blitz”?... Talvez... deveria sair mais. É isso que as pessoas normalmente fazem. Não gosto de sair. Sou muito caseira. Tenho tudo o que preciso. Tomar um choppinho num bar é uma coisa, mas boate é outra. Além do mais, sempre têm briga nesses lugares; leu o jornal hoje?...
Daqui a pouco, acaba. O convite, apesar da inconveniência de ser numa terça – feira, mexeu com ela. Vão todos sair juntos. Queria tomar um banho antes. Se fizer isso, aí é que ela não vai mesmo... Foi. Por que não?
Ele passa pela baia dela. Oi. Oi. Sorrisos. Depois, devem conversar no bebedouro ou quando forem pegar mais café. Ela se sente à vontade com ele. Parece uma boa pessoa. De uma maneira formal, são íntimos. Trocam trivialidades um com outro sem culpa. É bom. Ninguém se quebra. Todos nós somos como porcelana, tão bonitos, tão fortes, mas frágeis ao mesmo tempo.
Para ela, a trivialidade é a filha bastarda da intimidade.