sexta-feira, janeiro 28, 2005

RESSURREIÇÃO

Todo dia, me surpreendo com a capacidade e dedicação que as pessoas têm em causar dor. Seja em outras ou em si mesmas, minha impressão é temos um dispositivo desconhecido, programado para tomar decisões das quais vamos nos arrepender mais tarde. Várias vezes. Apesar de já ter uma idéia dos efeitos que repercutirão, ainda assim, optamos pelo caminho errado. Cabeça dura, fraqueza, emoções mais fortes do que a razão; tantas razões para o fracasso. E, ao mesmo tempo, tantas desculpas. Tentar botar a culpa em algum elemento incontrolável não nos livra do fato de que, no final das contas, fomos nós os agentes diretos do ato que nos transformou em vítimas. O fato é que errar constantemente é nos dá a certeza de que somos humanos. É com o sofrimento que percebemos nossa vulnerabilidade. E, assim, nos preparamos para a morte. Quanto mais dor acumulamos, a morte perde seu atmosfera cruel e injusta. Morrer se torna um final inevitável. A conseqüência para uma série de acontecimentos que não foram como imaginávamos. Pode soar sombrio, mas não é tanto. Quando menciono "acontecimentos que não foram como imaginávamos", também me refiro a coisas boas. Cada vez mais, acredito que a vida nada mais é que a acumulação de acidentes sobre os quais não temos controle. A maioria das pessoas não gosta de acreditar nisso. Eu próprio gosto de pensar que tenho controle sobre minha vida, o que, no fundo, sei tratar de uma mentira deslavada. Será, então, a revolta por saber somos folhas ao vento que nos faz provocar acontecimentos cujos eventos já sabemos como prosseguirão? Ou será que o desejo de não temer mais a morte nos faz cair num espiral de culpa e violências? Nesse caso, o tal dispositivo não seria autodestrutivo, mas um mecanismo de preservação. Ao mesmo tempo, como uma droga sintética, nos dá a ilusão artística de podemos criar uma realidade. A única forma que teríamos de nos preparar e a outros para o inevitável, também seria uma forma de auto- afirmação. A dor é como uma droga: terapêutica, enganadora, incrivelmente disseminada, viciante e fora de controle. A dor não seria um mal, mas até uma necessidade. Isso me faz lembrar uma história sobre Alexandre, o Grande: um dia, ele olhou para seu reino e chorou, pois não havia mais nada para conquistar. Qual é razão para estar vivo quando todos os seus objetivos se cumpriram? Chorar se torna uma redenção. Ele provou que ainda estava vivo.
Pensando sobre a dor, temos que mencionar sobre o depois. Quando a dor se passa, o que ocorre? Hoje é Páscoa. Dia da ressurreição de Cristo. A trajetória de Cristo até a Páscoa é um exemplo perfeito. Durante sua existência, Cristo sofreu. O sofrimento foi explicitado no caminho até a crucificação. O filme do Mel Gibson, com suas cores fortes e sádicas, mostra a exteriorização da dor que tomou a vida de Cristo. Finalmente, na cruz, o homem que se diz o filho de Deus sente- se mais homem do que nunca, pois sente- se abandonado e machucado. Fisica e espiritualmente. Três dias depois, ele ressuscita: mais forte, transformado e vencedor. Essa história é pode ser simbolizada na fala de Nietzche: "O que não nos mata, nos fortalece." Não é estranho ver o anti- cristão filósofo alemão e o Salvador serem coincidentes num determinado ponto. A dor é nos faz perder o medo e sua propagação nos faz sentir menos impotentes. O pós- dor, por sua vez, nos dá mais força para seguir em frente. As cicatrizes nos estimulam a vencer. A rir da cara da morte, como se gritássemos para ela: "Pelo menos, algo eu consegui! Nossas feridas nos deixam determinados. Já tivemos uma pequena mostra da morte, mas continuamos aqui. Se continuamos, é porque somos fortes o suficiente para tentar outra vez. E ser ousados. Já experimentei, agüentei e, agora, me aguardem, pois estou mais preparado do que na última vez." A imagem que me vem à mente, é como se estivesse no fundo do mar ou de um lago, nadando até a superfície, quase sem fôlego, achando que vou morrer. Finalmente chego a superfície e respiro longamente. A pergunta que fazemos após o retorno é: "E agora? O que vamos fazer?" Pode ser agoniante, mas, enquanto tivermos a capacidade de sentir, saberemos que nosso trabalho ainda não está pronto e que temos uma razão para continuar. Mesmo que você tenha conquistado todo o mundo conhecido. Você não está morto.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Nossa, que trabalho do cão comentar aqui! :P Daniel, aqui é o Luiz com Z, da Confraria da Baratos, e confesso que me senti numa guarita eletrônica agora. Não é à toa que poucos postam aqui. Estou tendo que entrar anônima e clandestinamente pra postar meu comentário sobre a habilidade de fazer sentir dor (isso devia ter um nome, como doloradorabilidade, pra facilitar a referência, ainda que complicasse o lado silábico da coisa).

Não sei se você viu o filme "Closer", mas duas amigas minhas viram nesses últimos dias, e o filme é um exemplo magistral de dolorabilidade. Ambas choraram copiosamente na sala. Uma delas ficou a noite toda pensativa, a outra interrompeu a viagem ao Rio e voltou pra sua casa em Sampa. Mas ao mesmo tempo que fico pau da vida com esse efeito, confesso que fico orgulhossíssimo da causa. O filme é uma aula de roteiro, e apesar da cara de formiga da Julia Roberts e do sorrisinho fácil do Jude Law, a anja-deusa Natalie Portman e o monstro dramatúrgico Clive Owen correspondem brilhantemente ao roteiro. Uma aula de cinema. Vá preparado pra sair se sentindo totalmente despreparado pra vida... mas bem mais preparado pro cinema. :)

Abração do
Luiz
(www.ladoz.blogger.com.br)

10:52 AM  
Anonymous Anônimo said...

Não quero postar sobre o Texto de Daniel R Ribas. Quero postar a respeito ao mocinho que disse que Closer é uma aula de roteiros.
Provavelmente foi a sua primeira aula né ?

2:19 AM  
Anonymous Anônimo said...

EU QUERO FAZER UM PROTESTO:
CADÊ A CONTINUAÇÃO?
ESTAMOS ESPERANDO
ASS: EUNICE DE CASTRO

1:19 PM  

Postar um comentário

<< Home